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2017 em: filmes
Vamos lá, sem procrastinação, aos 38 filmes favoritos de 2017.
Sigo os mesmos critérios adotados nas listas de 2015 e 2016.
O recorte é estritamente pessoal, baseado no meu diário no Letterboxd, considerando lançamentos de circuito e em streaming, atrasadinhos dos dois anos anteriores (2016 e 2015), novidades dos festivais (no caso foi só um, o 50º Festival de Brasília) e das ~locadoras~.
Entram, portanto, todos os longas (de 2015, 2016 e 2017) vistos pela primeira vez em 2017 com nota igual ou superior a 3.5/5 (ou 7/10).
(Obs: Toni Erdmann lideraria, mas vi em 2016.)
Eis:
38
O Estranho que Nós Amamos (The Beguiled), de Sofia Coppola
37
Weiner, de Josh Kriegman e Elyse Steinberg
36
O.J.: Made in America, de Ezra Edelman
35
Arábia, de João Dumans e Affonso Uchoa
34
A Mulher que Se Foi (Ang Babaeng Humayo), de Lav Diaz
33
Shock Wave (Chai dan zhuan jia), de Herman Yau
32
Até o Último Homem (Hacksaw Ridge), de Mel Gibson
31
The Day After (Geu-hu), de Hong Sang-soo
30
Apesar da Noite (Malgré la Nuit), de Philippe Grandrieux
29
Resident Evil 6: O Capítulo Final (Resident Evil: The Final Chapter), de Paul W.S. Anderson
28
Velozes e Furiosos 8 (The Fate of the Furious), de F. Gary Gray
27
Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg Filho
26
Na Vertical (Rester Vertical), de Alain Guiraudie
25
Além das Palavras (A Quiet Passion), de Terence Davies
24
Em Ritmo de Fuga (Baby Driver), de Edgar Wright
23
Nocturama, de Bertrand Bonello
22
A Longa Caminhada de Billy Lynn (Billy Lynn’s Long Halftime Walk), de Ang Lee
21
The Love Witch, de Anna Biller
20
Silêncio (Silence), de Martin Scorsese
19
Paterson, de Jim Jarmusch
18
Okja, de Bong Joon-ho
17
Corra! (Get Out), de Jordan Peele
16
Eu Não Sou Seu Negro (I Am Not Your Negro), de Raoul Peck
15
Aliados (Allied), de Robert Zemeckis
14
Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: Episode VIII – The Last Jedi), de Rian Johnson
13
The Sleep Curse (Shi Mian), de Herman Yau
12
Marjorie Prime, de Michael Almereyda
11
Garoto, de Júlio Bressane
10
Z: A Cidade Perdida (The Lost City of Z), de James Gray
9
Quase 18 (Edge of Seventeen), de Kelly Fremon Craig
8
A Bride for Rip Van Winkle (Rippu Van Winkuru no hanayome), de Shunji Iwai
7
Confronto no Pavilhão 99 (Brawl in Cell Block 99), de S. Craig Zahler
6
Bom Comportamento (Good Time), de Benny Safdie e Josh Safdie
5
Na Praia à Noite Sozinha (Bamui haebyun-eoseo honja), de Hong Sang-soo
4
Godzilla Resurgence (Shin Gojira), de Hideaki Anno e Shinji Higuchi
3
John Wick: Um Novo Dia para Matar (John Wick: Chapter 2), de Chad Stahelski
2
Fragmentado (Split), de M. Night Shyamalan
1
Twin Peaks, de David Lynch
2014 em: filmes
Tive um ano dos mais preguiçosos em termos de cinefilia. Cabulei a Mostra SP — por falta de benjamins — e, ao longo da temporada, ignorei torrents de lançamentos importantes por filmes de catálogo.
Pois bem. Abaixo, segue uma lista simplória com apenas DOZE TRABALHOS vistos pela primeira vez (e cotados a partir de 4/5), entre filmes que estrearam ou não no país em 2014. Stills (meus ou de terceiros) acompanham (e justificam) as escolhas.
Belezuras como Dumb and dumber to, Pompeii, Non-stop, Amar, beber e cantar e Jauja são ausências sentidas e carecem de revisão. Sem falar em postulantes de peso para o balanço, como John Wick e The tale of the Princess Kaguya, sequer contemplados na (desorganizada) ~agenda~.
12 Garota exemplar (Gone girl, EUA). De David Fincher
(via Apnatimepass)
11 Tudo por um furo (Anchorman 2: The legend continues). De Adam McKay
10 Bem-vindo a Nova York (Welcome to New York, EUA). De Abel Ferrara
9 Mockingbird (EUA). De Bryan Bertino
8 Bird people (França). De Pascale Ferran
7 O lobo de Wall Street (The wolf of Wall Street, EUA). De Martin Scorsese
(via Collider)
6 Expresso do amanhã (Snowpiercer, Coreia do Sul/República Tcheca/EUA/França).
De Bong Joon-ho
(via Film Captures)
5 Nossa Sunhi (U ri Sunhi, Coreia do Sul). De Hong Sang-soo
4 La jalousie (O ciúme, França). De Philippe Garrel
3 Jersey Boys: Em busca da música (Jersey Boys, EUA). De Clint Eastwood
2 Adeus à linguagem (Adieu au langage, Suíça/França). De Jean-Luc Godard
1 Era uma vez em Nova York (The immigrant, EUA). De James Gray
Conversas com Scorsese
“Durante anos convivi com uma parte de um cartaz de seis folhas de Vidas amargas. Seis folhas é um cartaz gigante, basicamente. Mas não tinha a maior parte dele, só uma imagem do meio. Mandei emoldurar. Ficou em cima do sofá em Los Angeles durante algum tempo e agora está no cofre. Era só James Dean e Lois Smith num corredor escuro; ele se preparando para seguir pelo corredor até o quarto da mãe. Kazan foi jantar em casa uma noite e ficou tão emocionado com aquilo. Passava todo o medo de descobrir o que havia no fim do corredor, o que havia no quarto. Não havia letras, nada, apenas aquela imagem. O cartaz de uma folha de Vidas amargas não evoca o filme para mim da mesma forma.
Bom, é absurdo — você não pode possuir o filme porque não o fez, e não pode possuir o momento em que o filme foi projetado. É como perseguir um fantasma. O único jeito de possuir um filme é fazer os seus próprios. Mas eles não chegam nem perto dos filmes que te influenciaram ou impressionaram quando você estava em seus anos de formação. Então você tenta captar alguma coisa deles.”
Conversas com Scorsese (Conversations with Scorsese, EUA, 2010). De Richard Schickel. Tradução: José Rubens Siqueira. Cosac Naify (2011), 528 páginas.
Cavalo de guerra
Quando saíram as primeiras imagens de Cavalo de guerra (3/5, 65/100), confesso que me diverti bastante cá com meus pensamentos maldosos. Para o meu azar, demorei alguns dias para atinar que o material era do novo filme do Spielberg, o entertainer responsável por alguns dos (vários) filmes — pelas bobagens? sim, pelas bobagens — mais importantes da minha vida.
E eis que nesta listinha, para alguns risível de tão clichê, para mim essencial, desfilam coisas como E.T., Jurassic park, Tubarão, Os caçadores da arca perdida, A.I. e, mais tardiamente, meu favorito de todos, Contatos imediatos de terceiro grau. Voltemos ao lançamento.
Cavalo de guerra, como todos os filmes do homem, é um baita de um exagero: 146min de uma saga ambientada na WWI, em que um cavalo bonito e indomável passa de herói de uma família inglesa — treinado por um jovem de olhares e gestos deslumbrados, ele ara a terra e salva a pele dele e dos seus pais — a sobrevivente de um conflito mundial.
Nesta grande novela formatada para o público Touchstone/Disney — o que significa dizer que não há sequer um pingo de sangue –, o cavalo conhece um bocado de gente: após morar na fazendinha do pobre garoto, ele é vendido a um oficial britânico assim que a guerra começa. Depois, muda de front e é cuidado por dois gentis irmãos alemães — que falam inglês.
Uma garotinha francesa — que fala inglês — e seu avô também são honrados com a presença do animal. Nosso herói, de novo, é capturado pelo front inimigo. Foge, trota entre tiroteios de trincheiras americanas e alemãs — (alerta spoiler) por causa dele, um soldado americano vira amigo de um alemão. Até aqui, mesmo sem ter visto o filme, você já sabe qual deve ser a última parada do protagonista.
Spielberg é mestre em narrar pequenas histórias de abandono e, também, melodramas (históricos) para emocionar milhões, bilhões. Sabe, como poucos, humanizar (dramatizar) personagens não humanos. Aliens, dinossauros, um tubarão que pouco vemos na tela, um robô que mais parece gente. E, agora, um cavalo perdido que é mais importante que os batalhões de soldados, que as rivalidades entre nações e mais uma porçao de fatos importantes que, quer saber, pouco importam para Spielberg e seus espectadores.
Esses sessentões/setentões da Nova Hollywood andam nostálgicos — levam a Velha Hollywood, e não a Nova Hollywood, para dentro dos seus filmes. Scorsese rodou O aviador com a pompa de um filme dos anos 1930. Ilha do medo, como um noir dos anos 40. Não vi Hugo, mas é claramente um tributo (em 3D) às origens do cinema. Spielberg filmou a última aventura de Indy Jones como se estivesse nos anos 1980 — não à toa, meteu o bedelho em Super 8 e Gigantes de aço, duas aventuras com cara e coração da década perdida.
Cavalo de guerra, e muita gente já disse isso por aí, lembra a época em que Hollywood estava descobrindo a cor e as possibilidades do scope: a historinha que ele quer contar pode ser (e é) ingênua demais — aqui, ele força a barra mesmo –, mas os planos têm a seriedade e o compromisso de um John Ford. Spielberg enquadra seus personagens em locação, mas usa fotografia e iluminação de estúdio. Tudo (belamente) antiquado.
Talvez eu tenha sido enganado por meia dúzia de cenas estonteantes, pela inocência quase irritante dos personagens — é incrível como, em todo filme do Spielberg, as atuações me parecem sempre caricaturas dóceis, propositalmente mansas e infantis –, pelo retorno do Spielberg choroso de A.I. Na verdade, eu sempre fui enganado por ele — e muito bem enganado.
Minha Mostra
Já chamo só de Mostra (Internacional de Cinema em São Paulo) porque foi, de verdade, especial. Não por causa das projeções atrasadas — que, às vezes, nem aconteciam –, dos paulistanos estressados nas filas e bilheterias, do projecionista angustiado da primeira sessão, protelada e por fim exibida sem legendas, de Habemus papam, que gritou “calem a boca!”, em resposta às manifestações nervosas da plateia, e depois remendou com um grito de “desculpa!”; nem pela moça da organização que, ao ser perguntada sobre a chegada da cópia de Caverna dos sonhos esquecidos, disse para uma colega que Caverna do dragão (sim, aquele desenho sinistro) estava, por enquanto, cancelado. Não por essas coisas.
6 (primeiros) dias, na companhia de outros aficionados, 23 filmes inéditos. 24 com a cópia digital e restaurada de Taxi driver, aquela de Berlim. Vi o filme da minha vida na telona, quase que sussurrando as falas decoradas e cantarolando a trilha junto com De Niro e Herrmann; e sentindo uma sensação completamente nova com a obra-prima de Scorsese. Pela primeira vez, via o título com outras pessoas — a maioria cinéfilas. E elas riram quando Travis chama Betsy para sair de um jeito brusco, inadequado — eficiente, sim. Riram quando ela diz que seu disco favorito é um do Kris Kristofferson. E outras vezes também: a primeira aparição de Sport (Harvey Keitel, num de seus poucos papéis vestidos), dançando sem tirar os pés do chão, Travis conversando com Palantine em seu táxi sem saber nadinha de política.
Mas ficaram caladas, deixando um murmúrio perturbado no ar, quando: Sport enumera as atividades sexuais de Iris (Jodie Foster, desde pequena com ar confiante), Iris entra num quartinho de hotel barato com Travis, Travis diz que quer tirar a garota daquelas esquinas sujas e mal frequentadas, comentários racistas saltam do roteiro de Paul Schrader, Scorsese observa a silhueta da esposa, que o trai, e pergunta a Travis se ele sabe o que uma .44 Magnum pode fazer ao rosto e às partes de uma mulher, e a catarse sangrenta, incontrolável de esguichos, berros, tiros. Sick, venal. Foi a minha catarse: vi no cinema. Pronto. Feito.
Fora isso — e isso tudo = 90% da viagem –, vi coisas muito boas (1 O garoto de bicicleta, 2 Era uma vez na Anatólia, 3 The day he arrives), coisas muito ruins (1 As ondas, 2 Em algum lugar esta noite, 3 A ilusão cômica), andei no metrô de São Paulo (a estação Alto do Ipiranga parece saída da trilogia Fundação, do Asimov), caminhei um bocado na Augusta, Paulista, Pamplona, Frei Caneca.
Na próxima edição, quero a Mostra por inteiro — mesmo sem Taxi driver.
That’s entertainment
It was like a peak you reach, and then it’s downhill.
An up-and-comer who’s now a down-and-outer
Robert De Niro, em Touro indomável
Scorsese é o meu diretor favorito: move a câmera com apreensão, urgência, um detalhista quase doentio. Sempre me identifiquei com seus personagens decadentes e abrasivos. Eu, de certa maneira, me vejo como Jake LaMotta: incapacidade, imobilidade e limitação de um homem que não consegue ser mais do que é e sempre foi. Ele, um perturbado pela baixa autoestima, pela insegurança com as mulheres; eu, um solitário autocomiserativo e conformado com ranhuras semelhantes.
Num dos momentos mais assombrosos, LaMotta bate com a cabeça na parede e depois a esmurra, repetindo para si, “idiota, idiota”.
Ele resolve suas angústias brutalmente, ferindo a testa e as mãos. Eu escrevo.